13.9.13

Lisboa - mais dez notas telegráficas

No início de julho, publiquei por aqui um "apanhado" sobre algumas mesas da restauração lisboeta por onde passara desde o meu regresso.

Deixo agora algumas notas telegráficas sobre mais alguns restaurantes, visitados mais recentemente.

O GAMBRINUS, na rua das Portas de Santo Antão, 23, continua excelente. É talvez dos escassos locais onde o "imobilismo" na criatividade gastronómica parece ser uma qualidade a destacar. O serviço é admirável, a qualidade é de rigor. É um restaurante caro, mas tem uma relação qualidade-preço pouco comum.

Passei pela GÔNDOLA, na avenida de Berna, 64, perto da praça de Espanha. O pátio é soberbo (pena o verão estar a acabar), mas devo confessar que a oferta culinária deixa a desejar. E o serviço, sendo razoável, deixou de ter aquela graça "démodée" (similar à que "A Quinta", no alto do elevador de Santa Justa, teve em tempos) que os clientes apreciavam.

Fui, pela primeira vez, ao ZAMBEZE, com uma esplanada soberba, na encosta do Castelo, saindo do largo do Caldas, na calçada Marquês de Tancos. O jantar teve duas condicionantes. A primeira foi ser vizinho de mesa de José Quitério, o que inibe qualquer fabiano a ter veleidades críticas. A segunda é que era uma jantarada grande, com dezenas de pessoas, o que não facilitaria nunca a avaliação. Mas saí satisfeito. E a vista, num edificio que tem um cómodo parque de estacionamento por baixo, vale bem a pena! 

Jantei bem, um tanto surpreendentemente, no LA FINESTRA, na enésima reencarnação de um velho espaço na avenida Conde de Valbom, 52 A, que conheci em eras passadas. A surpresa deveu-se a um certo ambiente "solto" do espaço, com grandes famílias e crianças, o que raramente prenuncia grandes ágapes. Verdade seja que fomos para as pizza, o que sempre facilita. Mas eram excelentes, com uma massa muito bem cozinhada. Voltarei.

Saí um tanto triste de OS ARCOS (rua Costa Pinto, 43), um clássico de Paço d'Arcos, que conheço desde os anos 60. Numa noite de sábado, o lugar estava quase deserto, o que faz imensa pena. A comida não desmereceu, mas tive a sensação de que havia um escasso cuidado na apresentação de alguns pratos - ou será que estou mais exigente do que era no passado? O serviço tinha aquela atenção que marca alguma restauração lisboeta (Gambrinus, Coelho da Rocha e poucos mais) tradicional.

Regressei também à VERSAILLES, na avenida da República, 15A. É um espaço muito bonito (o da "Colombo", em frente, há anos desaparecido, também o era). Ao almoço (ao lanche já nem tanto), o serviço é mais atento, talvez porque há ainda por lá caras do pessoal nossas conhecidas. A comida não deslumbrou, mas também não desiludiu. Continuo a pensar que a lista é longa de mais. Mas é sempre um bom ponto de encontro, para uma conversa (na parte alta da sala, claro).

A TASCA DA ARMADA, no largo da Armada, 36, está igual à imagem que dela já tinha. O proprietário desde 2011, um transmontano que dirige também o simpático "Toma Lá Dá Cá", na Bica, consegue, com um preço muito razoável, proporcionar uma comida honesta, sem elevadas pretensões, mas de boa qualidade. Comer na esplanada foi um privilégio deste verão. É um lugar a visitar de novo. Lembro-me, com saudade, de ter por lá ido, a primeira vez, com Miguel Portas.

Grande jantar tive no ASSINATURA, esse local escondido, na rua do Vale do Pereiro, 19, entre as ruas Alexandre Herculano e do Salitre. É um restaurante caro, um espaço elegante, mas um dos bons locais para um jantar sereno em Lisboa. Sob a mão experiente do chefe João Sá, com um serviço altamente profissional e atento, o Assinatura é um dos locais que vale realmente a pena visitar.

No largo das Flores, numa casa de esquina que já teve vários nomes (lembro o "Copo de Três"), fica agora o NOVA MESA, a rivalizar com o vizinho "Pão de Canela", que tenciono visitar um dia destes. Numa noite com muitos turistas estrangeiros, a experiência, não sendo deslumbrante, acabou por ser melhor do que inicialmente temia. A relação qualidade-preço foi muito razoável e a esplanada acabou por ser um lugar simpático para uma quente noite lisboeta.

Finalmente, uma nota para uma casa deliberadamente simples, muito próxima da "Varina da Madragoa", mas também na rua das Madres, num espaço que já se chamou a "Mercearia" (que, para um jantar, "fechei" um dia numa despedida). Agora tem por nome OSTERIA e apresenta-se como um lugar marcadamente italiano, como as imagens nas paredes atestam. A oferta é escassa mas simpática, sem um grande requinte gastronómico, com doses curtas, do tamanho do preço. Um local jovem, "solto" e ao gosto de uma Lisboa nova que por aí anda. E ainda bem, porque estes são os preços "à altura" da crise.

12.9.13

Mitos sobre vinhos

01 - O vinho, quanto mais velho melhor!

Uma das frases feitas preferidas de portugueses e não portugueses. Quase todos estão convencidos da razoabilidade da afirmação! Infelizmente, são poucos os vinhos que sabem envelhecer bem e ainda mais raros os que conseguem envelhecer com saúde. A quase totalidade dos vinhos mundiais, espumantes, brancos, rosés e tintos, é feita para ser consumida num curto prazo de tempo. A maioria dos rosados tem um período de vida útil de um ano, os brancos de dois anos, enquanto que nos tintos esse prazo se alarga para um máximo de quatro ou cinco anos. Por outro lado, sabendo que as condições de guarda dos vinhos são raramente razoáveis, não espere demasiado tempo para abrir as suas garrafas. Os poucos vinhos pensados para durar anos, décadas, são vinhos excepcionais... e geralmente muito caros. Mas, claro, nada se compara ao prazer de poder desfrutar de um vinho velho em plena saúde. Se tiver disponibilidade de capital e de espaço de guarda, atreva-se neste desiderato.

02 - Um vinho "Reserva" será sempre melhor do que um vinho "normal". As palavras "Reserva", "Colheita Seleccionada" ou "Garrafeira" são uma garantia de qualidade!

Infelizmente, a realidade não confirma esta presunção. Na verdade, este tipo de adjectivação não tem qualquer relacionamento directo com a qualidade de um vinho. Os designativos "Reserva" e "Garrafeira" são normativos legais que em cada região determinam o período mínimo de estágio em barricas e, posteriormente, em garrafa. Não caracterizam mais nada e não existe qualquer correlação com a qualidade real. Indicações como "Colheita dos Sócios", "Colheita Seleccionada", "Selecção Especial", "Reserva Pessoal", ou outras referências, são opções de "marketing" sem qualquer conexão com a qualidade do vinho. Muitos vinhos triviais e de fraca qualidade ostentam estas palavras nos rótulos, da mesma forma que alguns dos melhores vinhos nacionais não lhe fazem referência. Por si só, estas palavras nada lhe dizem sobre o vinho.

03 - Um vinho "DOC" será sempre melhor do que um vinho "Regional".
 
Mais uma vez, a realidade encarrega-se de não confirmar esta suposição. Para que um vinho tenha o direito de ostentar o nome de uma denominação de origem controlada terá de obedecer a regras claras, nomeadamente quanto ao uso das castas autorizadas e recomendadas para essa mesma DOC. Se, por exemplo, um produtor recorrer a castas não contempladas para essa mesma região, mesmo que melhores, ficará impedido de usar o nome da DOC. Algumas denominações de origem mais jovens, com menos historial, por vezes criadas apressadamente, nem sempre fizeram apostas racionais na escolha das castas recomendadas. Como tal, muitos produtores sentem-se constrangidos a recorrer a castas não recomendadas, castas que consideram ser mais adequadas às suas necessidades. É isso que explica por que alguns dos melhores vinhos portugueses são vinhos regionais. Este fenómeno é igualmente válido para outros países europeus, sobretudo Itália.

04 - O vinho de mesa não presta.

Por regra, o vinho de mesa é efectivamente de fraca qualidade e não merece demasiadas considerações. Existem, no entanto, raras excepções, e por vezes o vinho de mesa é a única solução para alguns produtores. Por exemplo, a legislação portuguesa não permite a mistura de vinhos provenientes de duas regiões diferentes. Imagine que existia (e existe) um vinho que emparceirava uvas do Dão e do Douro. Isto seria ilegal face à lei actual, excepto se vendido debaixo do chapéu-de-chuva de vinho de mesa. É esse o caso de um ou outro vinho português de topo. Ou imagine que um vinho não seria capaz de atingir a graduação mínima para poder ser considerado DOC ou Regional. Os vinhos de mesa seriam seguramente um refúgio comum entre os produtores portugueses, não fora a grave limitação de os vinhos de mesa não poderem estampar o nome de castas, e sobretudo, a data de colheita no rótulo.

05 - Os vinhos mais caros são sempre melhores.

Seguramente que não e os exemplos a provar o contrário abundam. Num mercado livre, o preço dos vinhos é determinado não só pelos custos de produção mas também pela sua escassez, pelo factor moda, pelo eventual empolamento feito pela comunicação social, por boas campanhas de promoção, etc. No entanto é verdade que os melhores vinhos são usualmente mais dispendiosos na elaboração. Melhores barricas, menores produções, mais mimos, melhores rolhas e melhores equipamentos implicam custos acrescidos. Mas mesmo estes custos acrescidos não garantem, de forma alguma, que o produto final seja melhor ou sequer bom...

06 - O vinho branco não consegue envelhecer e tem de ser bebido o mais depressa possível.

Embora a afirmação não seja universal, existem razões mais do que suficientes para o depoimento. São poucos os vinhos feitos para envelhecer e ainda menos os vinhos brancos que têm capacidade para envelhecer. Por outro lado, existem exemplos vivos de vinhos brancos que envelhecem de forma admirável. Os vinhos da casta Alvarinho, de Monção e Melgaço, e os vinhos da casta Encruzado, no Dão, são os melhores exemplos portugueses. Fora de Portugal, a capacidade de guarda dos Riesling alemães é afamada, podendo viver em perfeita saúde por mais de 40 ou 50 anos.

07 - O vinho rosé é uma mistura de vinho branco com vinho tinto.

Não, não é, mesmo se a convicção se encontra firmemente enraizada no nosso imaginário. O vinho rosado é feito a partir de uvas tintas. A polpa da quase totalidade das uvas tintas é incolor, incapaz de acrescentar pigmentação ao mosto. São as peles, ou melhor, os corantes existentes nas películas das uvas tintas que acrescentam coloração ao vinho tinto. Quanto maior for o contacto com as peles, quanto maior for a extracção, mais intensa será a cor resultante. Os vinhos rosados passam pouco tempo de maceração em contacto com as películas e, como tal, não têm tempo suficiente para extrair muita matéria corante. O vinho resultante frui assim de uma cor mais aberta e rosada.

08 - O vinho branco tem de ser produzido com uvas brancas.

 Na verdade... não! O vinho branco pode ser elaborado a partir de uvas tintas. Como acabámos de ver, a polpa das uvas tintas não tem matéria corante e, portanto, o sumo resultante é incolor. Se as uvas forem prensadas em bica aberta, ou seja, sem contacto com as peles, o vinho resultante é branco, esbranquiçado ou muito levemente salmonado. Como tal, é possível, e por vezes comum, que os vinhos brancos sejam elaborados recorrendo a uvas tintas. O caso mais paradigmático ocorre em Champagne, onde as castas Pinot Noir e Pinot Meunier, ambas tintas, são por regra vinificadas em branco. Quando assim é, o champanhe é categorizado como "blanc de noirs". Em abono da verdade, convém referir que se exceptuarmos o caso particular dos vinhos espumantes, raramente vemos esta técnica aplicada.

09 - O Vinho Verde é feito com uvas vindimadas ainda verdes, em oposição ao vinho maduro, que é elaborado com uvas completamente maduras.

A imagem é comum, mesmo entre alguns apreciadores informados, mas não tem qualquer fundamento. Vinho Verde é o nome de uma região portuguesa, tal como as regiões do Douro, Ribatejo ou Bairrada. A região ganhou o nome de Vinho Verde por ser a região mais verde e húmida de Portugal, o Minho. Pela mesma razão, a região de turismo chama-se Costa Verde. Como seria de esperar, os vinhos provenientes da região do Vinho Verde são elaborados com uvas maduras, tal como nas restantes regiões portuguesas.

10 - Os verdadeiros grandes vinhos não sabem bem enquanto são jovens e só melhoram com a idade.

Não acredites nisso! Os bons vinhos são sublimes desde a nascença e não é por um milagre tardio que se transfiguram de bestas em bestiais. Claro que os vinhos que envelhecem bem poderão ser duros e severos enquanto jovens, mas a qualidade tem de se mostrar desde o primeiro instante. A história do patinho feio não tem cabimento no mundo do vinho. Um mau vinho nunca se transformará num bom vinho!

(da revista "Wine")