23.12.13

Tasquinha do Matias

O meu pai, para quem estar à mesa sempre constituía uma perda de tempo, costumava ter esta frase, de cada vez que eu fazia uma viagem para visitar um restaurante: "Isso é uma inferioridade!" Na noite de ontem, se ele me tivesse visto andar quase 100 quilómetros para ir jantar a um restaurante perto de Tarouca, ido de Vila Real, imagino as ironias que teria de encaixar. Contudo, confesso que tenho muita pena de as não poder ouvir.

Há muitos anos que não ia a Ucanha, uma localidade que vive justamente orgulhosa da sua Torre medieval e da notável ponte, que me lembra a de Mostar, na Bósnia-Herzegovina. Fica, nos dias de hoje a escassos quilómetros da A24, bastante perto de Tarouca - e, se tiver tempo, aproveite-se para visitar também esta bela localidade.

Uma dica, há dois dias, deu-me a conhecer "A Tasquinha do Matias", que vim a constatar ser um simples mas excelente restaurante local (bem assinalado por indicação rodoviária, o que é raro), dirigido pela mão de mestre da simpática D. Filomena Matias Pinto. Porque todo o tempo não é demais nesta vida, cinco minutos depois estava eu a telefonar à senhora (938 714 321) e a arrematar uma jantarada para a noite de domingo. O nevoeiro esteve de cortar à faca, mas isso só tornou a aventura mais aliciante. E o resultado ficou, claramente, à altura das expetativas.

A função iniciou-se por uma alheira e uns queijos. Depois, partimos para a prova de algumas especialidades, sempre no registo carnívoro. Fomos por uns milhos à lavrador, em pote negro de ferro. Avançou-se depois para umas costeletas de borrego. Acabou-se com uma marrã à tasquinha. Ao lado, arroz de forno e batatas de duas espécies (no forno para as costeletas, cozidas para a marrã). Eu não resisti a uma aletria, num grau de consistência perfeito. Umas tangerinas da região absolveram os exageros. Um Murganheira Távora Varosa tinto 2011 acompanhou (lembro-me que o 2010 esteve melhor).

Prometo voltar à "Tasquinha do Matias". A Dona Filomena falou-me da posta de vitela na telha, do arroz de carqueja às 4as feiras, da cabidela de galinha à 5ª, do cozido à 6ª.

Porque é que tudo isto fica tão longe de Lisboa?

ps - a Dona Filomena é do Benfica, mas este ano isso não interessa...

22.12.13

Tralha

Por vezes, quando digo que sou de Vila Real, as pessoas falam-me imediatamente do "Espadeiro".

Durante muitos anos, Vila Real foi um deserto gastronómico. Para além de umas pensões tradicionais e algumas boas tascas, a escassa restauração nunca passava da mediania - e já estou a ser benevolente. Em inícios de 1969, ao lado do "quartel velho" e do Jardim da Carreira, sobre o stand automóvel do senhor Rosas, surgiu o "Espadeiro", sob a mão de Manuel Pipa e dos seus familiares, oriundos da boa "escola" das pensões. Com inteligência, fixou-se numa lista sólida de pratos regionais, a que acresceu o toque cosmopolita do "joelho da porca", trazido do germânico "eisbein". O boca-a-boca dos "connaisseurs" e as penas mediáticas atentas deram a conhecer ao país o "oásis" vilarealense que era o "Espadeiro", casa que estava para Vila Real como "O Cortiço" estava para Viseu, como o "Praça Velha" estava para Castelo Branco, como o "Tarro" estava para Portalegre e outros exemplos similares de província. A casa manteve-se nas mãos da família Pipa por algumas décadas. Mais tarde, caiu em posse galega (não da boa cozinha galega, mas de uns amadores de culinária de que até eu fui incauta vítima) e ainda de um emigrante nos EUA (que, contaram-me, hasteava o "stars and stripes" sobre aquele que, até ao final dos anos 50, foi o lugar da meta do "circuito automóvel"). Depois, um dia, o "Espadeiro" desapareceu.

Ontem, sob um novo conceito, renomado como "Tralha" (eu tinha um outro nome para a casa, mas cheguei tarde...), o espaço do velho "Espadeiro" renasceu, com um toque arquitetónico contemporâneo. A partir de agora, pelas duas amplas salas haverá "tapas" e bom vinho, espera-se que uma música à altura e, desejavelmente, um ambiente acolhedor, descontraído qb, suscetível de proporcionar um espaço de convívio intergeracional. Desejo todo o sucesso  à iniciativa e, quem passar por Vila Real, pode colocar no seu GPS: avenida Almeida Lucena (sem número).

Deixo uma foto que tirei, à saída da inauguração, com um toque de luz que fez com que a imagem do "Tralha" me saísse "à la Hopper" à moda da Bila.