30.5.15

"Toca da Raposa" (Ervedosa do Douro)

Na minha juventude, o nome "Toca da Raposa" ligava-se àquele que foi o primeiro restaurante citadino de Vila Real, criado nos anos 60. Até essa altura, a restauração vila-realense (tal como acontecia na grande maioria das cidades e vilas portuguesas) limitava-se às tascas, às "casas de pasto" e às pensões, onde aboletavam funcionários e gente de passagem. A velha "Toca da Raposa" é hoje um estimável café, aliás com graça nas noites de verão.

Por essa razão, quando me disseram que havia um restaurante com esse nome em Ervedosa do Douro fiquei curioso. 

Imagino que a maioria dos leitores se interrogue: mas onde fica Ervedosa do Douro? Três coisas são certas. A primeira é que, para a esmagadora maioria dos portugueses, não fica “logo ali”. A segunda é que a viagem “vale o desvio”, como costumam dizer os guias Michelin. E, finalmente, a terceira coisa que posso assegurar é que, lá chegados, ao restaurante que aqui lhes recomendo, não irão ficar desiludidos.

Dito isto, dou umas dicas orientadoras. Se vier da Régua, na direção do Pinhão, são 35 km pela agora famosa EN222, há semanas considerada internacionalmente “a melhor estrada do mundo”. Porém, no caso de Vila Real ser o ponto de partida ou passagem, aconselho vivamente tomarem o caminho de Sabrosa, daí descendo com calma até ao Pinhão (não percam os azulejos da estação da CP!), antes da subida final para Ervedosa do Douro.

Em qualquer dos casos, o espetáculo é fascinante. Para além da serena imponência do Douro, a paisagem é envolvida pelas cores mutantes dos “montes pintados”, de que falava João de Araújo Correia. António Barreto sintetizou isso bem: “Entre as aldeias, vinha, vinha e mais vinha. Verde, vermelha, roxa, amarela, castanha e negra, conforme as estações”.

Finalmente, com outro perfil de cenário, mais beirão, há ainda um caminho pelo sul, por Trancoso e por S. João da Pesqueira, que já fica a dois passos de Ervedosa.

Mas vamos ao que interessa, à Toca da Raposa, de que hoje lhes quero falar. De início, foram uns rumores: “há um lugar que creio que não conheces, perto de S. João da Pesqueira, onde se come muito bem”. Depois, outros, mais desafiadores, provocaram: “Andas por aí a escrever sobre restaurantes e nunca li uma palavra tua sobre a Toca da Raposa!”. Comecei a irritar-me e, conduzido por um amigo, para me livrar do “bafómetro” (como dizem os brasileiros) da Brigada de Trânsito, rumei um dia deste até Ervedosa do Douro.

Fomos recebidos pela Maria do Rosário, que orienta a sala com simpatia e saber e nos indica aquilo que a mãe, a D. Maria da Graça, nos pode preparar a partir da (imaculada) cozinha. A completar, o irmão, engº Fernando Gomes, trata dessa dimensão duriense essencial que são os vinhos. É, aliás, o responsável pela magnífica carta que o restaurante apresenta, onde, como é óbvio, os Douros são donos e senhores do espaço. Agora, ao lado do próprio restaurante, há mesmo uma garrafeira, com mais de 100 hipóteses de escolha, colmatando uma estranha lacuna na região.

A conselho avisado de quem me acompanhava, decidi ficar nas mãos e no conselho da casa, para uma degustação.

Abrimos o repasto com uma alheira. Era de caça, senti-a pouco vulgar e tinha razão: tinha perdiz, faisão e coelho bravo. Disseram-me que havia outra: de vitela, porco e galinha. Acompanhámo-la com um branco Odisseia 2013, com castas rabigato, viosinho e côdega de Larinho.

Uma torrada de pão regional, uma receita em que antigamente se usava o pão velho que sobrava, com azeite e alho, serviu de base a um belo queijo de cabra com azeite. Um branco Quinta do Cidrô, Semillon, 2013 esteve junto.

Ainda nesta fase introdutória, experimentámos uma chouriça “crespa” de vinho do Porto, e depois, o “moiro”, uma alheira transformada com sangue de porco. Aqui, já nos acompanhou um Quinta Beira Douro, 2012, tinto.

Outro tinto, este o Quinta de S. José, desse excelente ano de 2011, deu suporte a um polvo grelhado, com batatinhas tostadas, salada de pimentos com alho e cebola.

Continuando agora nas carnes, seguimos para um cozido, com arroz branco, que anotei muito mais leve do que outros que tenho experimentado por aí. Na harmonização, foi-nos sugerido um tinto Quinta do Malhô 2011, um pouco frutado e com uma ligeira e agradável acidez.

Finalmente, o cabrito grelhado, com que se encerrou esta fase, teve a acompanhá-lo um tinto Reserva d’Amizade, 2011, um vinho mais encorpado, com touriga nacional, touriga franca e tinta roriz.

Encerrámos com um painel de sobremesas: primeiro o magnífico Bolo Borrachão, seguido de uma tarte de amêndoa e chila. Um Porto Dalva 85 serviu de acompanhamento. Finalmente, provámos o Arroz Doce e um Pudim de Ovos, desta vez com um Porto Tawny 10 anos, Quinta das Carvalhas.    

A lista, extremamente cuidada e com uma apresentação muito profissional, para além das experiências feitas, oferece outras propostas muito interessantes. Nos peixes, a casa tem como referências o polvo na telha e os milhos de bacalhau. Nas carnes, a somar a um belo leque de enchidos, dizem-me ser notável o arroz de feijão com salpicão, a meada de cabrito (um prato antigo da região), que é um estufado envolvido em massa meada, e o porco bísaro com arroz de míscaros.


O Douro corre lá em baixo, mas há um Douro bem alto nesta Toca da Raposa, em Ervedosa. Aconselho vivamente.

TOCA DA RAPOSA
Rua da Praça, Ervedosa do Douro (São João da Pesqueira)
Tlfs: 254 423 466 / 961 586 199
Preço médio (com vinhos): 30 euros
Aberto todos os dias, das 12.00 às 16.30 e das 18.30 às 00.00 horas.
Web: facebook.com/tocadaraposa.douro

Outras opções na região: Na Folgosa, o DOC (254 858 123) e, no Pinhão, o Harvest (Hotel LBV, 254 738 320), alternativas mais caras. Em S. João da Pesqueira, O Forno da Devesa (254 484 414) 

9.5.15

Imperial de Campo de Ourique


Olhando de fora, nem sequer é muito óbvio de que se trata de um restaurante. Entra-se e, à direita, tem um daqueles balcões longos e altos que são a imagem de marca de estabelecimentos similares. Por detrás dele está a cozinha. Dessa sala de entrada, onde também se pode abancar (foi ali que o fizémos, aliás) passa-se a outra, nas traseiras, onde a amesendação da "Imperial de Campo de Ourique" tem o seu lugar nobre. Mas tudo é muito simples: mesas e cadeiras metálicas, individuais e guardanapos de papel.

O senhor João, minhoto de Ponte da Barca, recebe-nos com a generosa qualidade de quem é do norte: caloroso, envolvente, agradado por poder agradar, preocupado por não poder acolher-nos na sala principal. Eu e quem me acompanhava não íamos muito preocupados com o poiso. Íamos diretos à chanfana que, na 6ª feira, é o prato de resistência, a imagem de marca da casa, a par, noutros dias e em tempos adequados, da lampreia, que o senhor João arranja "lá em cima", de qualidade e que, consta, é muito recomendável. 

A lista, nesse dia, não se esgotava, porém, na chanfana "à casa". Por ali havia uma feijoada à transmontana que espero em breve testar e um bacalhau assado com batata a murro que me levou os olhos, numa travessa que passou. E outras coisas, como dourada ou carapaus grelhados, o bacalhau à Brás, as clássicas iscas de porco e outros grelhados usuais na restauração lisboeta. Noutros dias há coisas diferentes, como salmão, pataniscas e outros pratos Ah! e, claro, a dose, em nenhum caso, excede os 10 euros, pelo que, nem com esforço!, a fatura final passará além dos 15 euros.

Começou-se com uns bolos de bacalhau, com textura certa. O vinho escolhido foi o da casa, de "um primo da Ermelinda de Freitas", segundo o senhor João nos informou. Era amplamente "buvable", como se viu na repetição das canecas a que as três horas de conversa obrigaram. Não experimentei a aguardente de terras da Barca que o senhor João trouxe para a mesa (limitação de quem tinha de dar uma aula nessa tarde!), mas não resisti ao arroz doce (um pouco líquido de mais para o meu gosto) com que se fechou o repasto. Também o apetecível bolo de bolacha e o pudim (muito gabado por quem o provou) ficaram para outras visitas. 

Há dias, publiquei por aqui um despretensioso "guia" da oferta gastronómica em Campo de Ourique. Hoje, de baraço ao pescoço, qual Egas Moniz, devo reconhecer o erro de não ter incluído esta "Imperial de Campo de Ourique" (que me trouxe à memória a sua saudosa homónima do Campo Pequeno, cujo encerramento nunca lamentarei suficientemente). A retificação devida vai ser feita.

"Imperial de Campo de Ourique"
Rua Correia Teles, 67
Tlf. 21 388 60 96
Fechado aos domingos. 
Nem sempre abre ao jantar, o que, no entanto, faz sempre que haja reservas atempadas      

4.5.15

Bairro Alto

 
Ontem, domingo, deu-me para ir jantar ao Bairro Alto. A (re)viver em Lisboa desde há mais de dois anos, dei-me conta que o Bairro Alto deixou de ser o local onde, no passado, ia muito frequentemente, a restaurantes e alguns bares. Entrei no bairro ido do Camões e, de repente, "perdi-me"! Eu já não conheço "aquele" Bairro Alto! Andei por ali uma boa meia hora, cheio de curiosidade. Passei por dezenas de restaurantes, tascas e bares cuja existência e nome desconhecia por completo, só de quando em vez ouvi alguém falar português e, mesmo nesse caso, era quase sempre com acento brasileiro. Verdade seja que não me senti minimamente tentado a entrar em nenhum daqueles espaços, que têm o mesmo atrativo para um nativo do que a rua das Portas de Santo Antão (com exceção do Gambrinus e do Solar dos Presuntos) ou a rua Jardim do Regedor. Mas fiquei imensamente satisfeito por ver o bairro cheio de gente, com os restaurantes "à cunha", numa noite quase-chuvosa de domingo, com um ambiente cosmopolita, que nada fica a dever a outras áreas similares por esse mundo fora. O movimento nesta zona de Lisboa, que se prolonga por Santa Catarina, pela Bica e chega ao Cais do Sodré, tem hoje um turismo pujante. E ainda bem! Espreitei o Alfaia, mas já nem tinha os "lombinhos à indiana" na lista afixada na porta. Confirmei que a Tasca do Manel e o vizinho Fidalgo estavam fechados, o mesmo era verdade para o Pap'Açorda e o Casanostra. Idem para a Primavera e o 1° de maio. Não testei o novo registo do BarAlto e o Bota Alta estava de folga. Não me aventurei pela zona longínqua do Cem Maneiras ou para os lados do Farta Brutos. Aqui entre nós, este Bairro Alto, em toda a sua glória turística, é hoje uma ilha estrangeira em Lisboa. E se acho isso bem simpático, vi-me a concluir que o bairro deixou (em definitivo?) de me atrair (dizem-me que há umas lojas giras durante o dia). No fim desta breve incursão, gastronomicamente frustada, decidi ir jantar a outro lado. Ali perto, o SeaMe estava a abarrotar, a Taberna da Rua das Flores nem luz tinha, pelo que acabei na Brasserie de l'Entrecôte, por grande sorte de uma marcação de alguém que faltou à última da hora. Como dizia o Camilo de Oliveira: "isto é que vai uma crise!"