27.12.16

A aletria da consoada

O menu da consoada  deste Natal não foi muito diferente do que costuma ser. O bacalhau, talvez por virtude de um truque aprendido quase no próprio dia, estava excelente, lascoso e não afarinhado, como às vezes sucede. Como é de regra, o polvo estava melhor no dia seguinte, na "roupa velha". Era tenro e deu origem às graças de que "o polvo é quem mais ordena" ou, a recordar Pinheiro de Azevedo, de que "o polvo é sereno". A reserva da Quinta do Castro estava no ponto, embora o ano nem sequer fosse o ideal. Ah! E o perú do dia de Natal estava saboroso, com pele crestada, se bem que, para o ano, e para o meu gosto, umas batatas alouradas devam fazer parte do acompanhamento, como mandam as NEP.

Mas isto foi um mero intróito para poder falar dos doces. (Uma nota, em parêntesis, para o bolo-rei da Gomes, plenamente à altura da sua história). Os sonhos marcharam sem grande entusiasmo, porque, de há muito, são os mal-amados da casa e só se apresentam por rotina. Já as rabanadas, o "pain perdu" lusitano, tiveram larga procura, com um molho a preceito. Não me refiz ainda da falta da sopa dourada, que a minha mãe fazia como ninguém. E como, desde há uns anos, deixou de estar na mesa, por razões que não são para aqui chamadas, um doce de chila com ovos que me alimentou a glicose sazonal por décadas, fiz questão de não levar a sério um substituto de chocolate que por lá se apresentou. Para compensar, uma mousse de chocolate sem ovos foi uma excelente surpresa, no dia de Natal.

Mas do que eu quero verdadeiramente falar-lhes é da aletria. Sou um fã dessa delícia amarela, quadriculada a canela, mas as minhas desilusões nessa matéria excedem, em muito, os grandes momentos. Houve um ano em que desconfiei mesmo que a travessa de aletria era patrocinada pela Cimpor, tal a textura que o suposto doce apresentava. Outros houve em que a massa estava deslavada, permeada de um líquido que lhe dava uma consistência esquisita, menos agradável. Até este ano! O ano da aletria 20 valores! A tecitura era a ideal, o açúcar estava na medida certa, o sabor era "aquele" que devia ser. Nada a mais, nada a menos. A aletria 2016 foi um "vintage", uma colheita ímpar. Só por aquela (digo "aquela" porque, infelizmente, já lá vai) aletria valeu a pena este Natal. Mas já vou passar um ano angustiado: como será a aletria de 2017, com o "benchmark" de 2016 tão elevado?

23.12.16

Café de S. Bento (Lisboa)


O pecado da carne

Um alerta à “classe operária”: vou falar de um ambiente burguês! Pode haver, em Lisboa, locais tão burgueses como o Café de São Bento (e lembro-me de alguns), mas nenhum o é mais. O restaurante de que hoje vos falo é a encarnação daquilo que de mais saudavelmente burguês pode existir. Da decoração “chic sóbria” ao serviço delicado e profissional, da qualidade do que nos é proposto à fatura final, estamos ali no espaço de uma Lisboa que se trata bem, que assume algum epicurismo, que não regateia o requinte, que está disposta a pagar o conforto de uma refeição que a satisfaça em pleno. O Café de São Bento é um restaurante caro? Não é. Porém, como tudo aquilo que se mede à luz da bitola burguesa, também não é um restaurante barato. O que de mais elogioso posso dizer sobre este local é que o preço que ali nos cobram está em perfeita sintonia com a qualidade daquilo que nos é oferecido.

Alguns dirão: mas o Café de S. Bento são só bifes! Esta é apenas uma “pós-verdade”. Os bifes são, por ali, a alma gastronómica da casa. (Já lá iremos). Mas o leitor pode iniciar a refeição com uns Camarões “al ajillo”. Ou um (sempre excecional) queijo da Serra da Estrela certificado, acompanhado de uma geleia de Pimento de Espelette. Ou optar por um Carpaccio de Salmão fumado, com vinagreta de mel e lima, rúcula e tapenade de azeitona verde. Ou ainda um Carpaccio de Novilho, sobre o qual encontrará, naturalmente, um pouco de parmesão e pimenta rosa. Ou, ainda, pode deliciar-se com um Pata Negra (há mesmo uma “trilogia”) de grande nível.

Em coisas mais leves, com reflexo favorável no preço, tem uma oferta de Salmão fumado com salada, sobre tosta de pão alentejano e queijo creme com ervas final. Ainda mais “em conta”, um excelente Prego do Lombo, servido em pão alentejano com batatas fritas à rodela e salada tem-me “sabido pela vida” com frequência. E há Tostas, com manteiga “a dourar”.

Mas o leitor quer que lhe fale dos bifes, não é? Vamos a isso.

O “rollsbeef” da casa é o Bife à Café de S. Bento, versão magnífica do clássico da culinária lisboeta “bife à Marrare”, imerso num molho suculento. A qualidade da carne é sempre (repito, sempre) soberba. Vem com batatas aos palitos. Pode pedir para colocar um ovo estrelado por cima e uma dose de esparregado de espinafres ou uma salada verde, que vai sempre bem de acompanhamento e absolve vegetarianamente o “pecado”.

Mas o Bife à Portuguesa que o Café de São Bento também nos propõe, frito em azeite, com alho e louro, com batatas fritas (desta vez) às rodelas é também “um espetáculo”, como alguns dizem. E, finalmente, há ainda o Bife grelhado tradicional, com o tipo de batata que lhe aprouver. Em todos os casos, um conselho: se puder, opte pela carne mal passada (ou “medium-rare”, no máximo). Ela merece…

Esqueci-me de falar do pão de mistura de centeio e trigo, alentejano, com manteiga fresca, que lhe vão propor, a abrir. Cuidado com ele! É um perigo, porque é delicioso.

As sobremesas? Só duas notas, dentre as várias propostas: o “crème brulée” e o Carré 2 Chocolates (leite e negro, com 70% de cacau) sobre biscoito de amêndoa e crocante de avelã. Para acompanhar, há um Porto, um “late harvest” ou um moscatel.

Uma nota sobre os restantes vinhos. Douros e Alentejo em evidência (algumas meias garrafas e a copo), com Dão, Lisboa e Sado representados.


Na vida, às vezes, constatamos que “a carne é fraca”. Não é o caso do sempre magnífico Café de São Bento… 

1.12.16

Bairro do Avillez


O espaço é novo e muito curioso, logo abaixo da Cervejaria Trindade (já agora: está uma sombra do que era), em Lisboa. Duas salas com serviço diferenciado: à entrada, sem marcações, uma coisas mais leves e mais em conta, lado a lado com a venda de alguns produtos selecionados. Lá dentro, um restaurante com ofertas de nível mais elevado, mas, nem por isso, a preços exagerados. Uma constatação se impõe, por mera justiça: excelente cozinha, serviço muito agradável e profissional, tudo numa relação qualidade/preço à altura daquilo a que José Avillez nos habituou. Uma das boas coisas surgidas na restauração lisboeta em 2016. Só posso desejar sorte a mais esta aventura do chefe "duas estrelas" que muito tem prestigiado a gastronomia portuguesa e que, não por acaso, recebeu no passado dia 24 a raríssima Medalha de Ouro da Academia Portuguesa de Gastronomia.