Há pouco, um amigo telefonou-me a pedir o nome de alguns restaurantes recomendáveis em Paris, para onde parte amanhã, em visita turística. Foi nesse instante que me recordei de que, há um ano, publiquei na revista "Epicur", que inseria uma entrevista comigo, um texto que me pareceu adequado enviar-lhe. O artigo chamava-se, significativamente, "L'embarras du choix" e queria assim significar a dificuldade em fazer uma escolha num universo de restaurantes como aquele que Paris tem.
Dei-me agora conta que este blogue, onde deixo algumas notas sobre restaurantes, deveria ter acolhido esse texto (que, recordo, tem já um ano). Ele aqui fica:
Os franceses têm uma expressão sonora para designar a dificuldade na seleção de uma opção: “l’embarras du choix”. Numa cidade como Paris, a escolha de um restaurante adequa-se bem a essa fórmula. A liberdade que me foi dada pela Epicur, para designar uma mesa parisiense da minha preferência, onde nos pudessemos juntar à conversa solta, confrontou-me com esse agradável dilema. E, de caminho, fez-me refletir sobre outras coisas mais.
Com Nova Iorque e Londres, ambas hoje ameaçadas de perto por São Paulo, Paris é dos lugares do mundo onde a multiplicidade de opções gastronómicas é mais rica, nomeadamente naquilo que alguns designam, às vezes ironicamente, por cozinhas “étnicas”. Porém, ao contrário dessas outras cidades, que vivem essencialmente da diversidade e do cosmopolitismo que lhe está associado, a capital francesa tem ainda o orgulho de ser a sede incontestada de uma gastronomia nacional que ganhou foros lendários no imaginário global. Nesse domínio, encontra-se em Paris um pouco de tudo: desde a “haute cuisine” de autor, presente em locais consagrados da restauração, até a uma imensidão de “bistrots” e “brasseries”, passando por uma alguma gastronomia de “terroir”, marcada por um afirmado e orgulhoso cariz regional. Muitas dessas mesas de restauração “franco-francesa” cultivam, aliás, uma espécie de snobismo imobilista, que os habitantes locais parecem apreciar – não fosse a França, aos meus olhos, um dos países mais conservadores do mundo.
Como olha um embaixador os restaurantes do país onde está acreditado? É dado por adquirido que os diplomatas são os felizes usufrutuários de uma vida recheada de prazeres – no mínimo, os prazeres da mesa... É uma guerra perdida tentar lutar contra a ideia feita de que a diplomacia é uma espécie de festa culinária permanente, um saltitar entre cocktails e ágapes bem regados, consumidos entre ditos espirituosos e conversas ocas, exercícios de rebuscada elegância e muito dandysmo, para tragédia do erário e irritação dos “gaspares” que o policiam. Num misto de inveja e pequena raiva, a imagem colou-se-nos à pele, para sempre, sendo impossível vender uma explicação serena sobre o que, na realidade, nos compete fazer. Valha a verdade que alguns, dentre nós, sempre ajudaram a essa “festa”, num culto hedonista feito de um engravatado vazio de ideias e de um deslumbrado frenesim pela “Caras” e outras feirantes vaidades, onde confundem com importância o mero “upgrading” social que a sua conjuntural função acarreta. E uns pagam pelos outros.
A vida diplomática não é nada disso, embora tenha uma irrecusável componente social, que só os patetas desprezam, embora apenas os tontos magnifiquem. Com os anos, aprendi que o êxito de uma representação diplomática, com algum sucesso, consiste em conseguir suportar, com estoicismo e bom fígado, o inevitável frenesim social de certos períodos, embora sem disso “fazer vida”. Aqui entre nós, devo dizer que, ao longo dos anos, fui-me progressivamente reconvertendo à figura de um discreto “fugitivo” social, fazendos os “mínimos” neste domínio, sem nunca me deixar absorver pela “espuma dos dias” da vertigem diplomática. Mas os cocktails, os almoços (e os sinistros pequenos almoços!) de trabalho, os “dinners en ville” e os convites para “o campo”, tudo isso faz parte de um cardápio de obrigações a que um diplomata – e, por maioria de razão, um embaixador – se não pode nem deve furtar, por completo. É preciso ter sempre presente, porque às vezes isso é esquecido, que a grande maioria dos convites que recebemos é feita num registo de grande simpatia, por gente educada e respeitável, a cujo gesto é deselegante não corresponder. E que, nesse mundo de sociabilidade organizada, acabamos por conhecer muitas pessoas que se tornam úteis para os nossos interesses profissionais, ao mesmo tempo que alimentamos um círculo de relações que tem como agradável ponto comum o facto de apreciarem o país que representamos. O que, no nosso caso particular, é muito importante, em especial nos tempos em que Portugal não anda propriamente nos patamares da glória.
Mas voltemos aos restaurantes de Paris, porque é isso que hoje aqui nos motiva a escrita. Foi-me dito pela Epicur que escolhesse um lugar de que eu gostasse. Coisa difícil. Ao longo destes anos de Paris, e já antes de aqui viver, tenho conhecido muitos restaurantes por esta cidade, de todo o tipo e de toda a qualidade. Devo confessar que muitos dentre eles só visitei porque alguém, simpaticamente, antecipadamente se dispôs a pagar a fatura. Contrariamente ao que se julga, o salário dos diplomatas, não dando razões de queixa, não dá para grandes aventuras. Na maioria dos casos, retribuí esses convites na minha própria casa, da forma como entendo e sei receber os amigos e os conhecidos. E não me tenho dado mal com o sistema.
Por essa razão, porque desde muito cedo entendi que, pelos “cabedais” financeiros de que dispunha, nunca iria ser visitante habitual de alguns grandes nomes da restauração, desisti, por exemplo, para os lados dos Champs Elysées, da frequência das salas elegantes do sublime Lasserre, da serenidade dos almoços no Guy Savoy, do discreto mas quase insuperável Taillevent, do classicismo profissional do Laurent ou mesmo do sempre “trendy” Le Fouquet’s. Do outro lado do rio, concluí que também não iria muito ao Jules Verne, no 2º piso da Tour Eiffel, ou, bem mais adiante, a essa “meca”, laqueada a patos, que é o mitológico Tour d’Argent, onde a carta de vinhos é um calhamaço apenas para encher o olho e esvaziar a carteira. Fiz o mesmo quanto à sofisticação elegante do l’Ambroisie, não muito longe dali, na place des Vosges, também já coisa para outras bolsas. O mesmo sucedeu com uma “espécie” com que me reconciliei em Paris, mas com a qual havia sempre embirrado, em todo o mundo: os restaurantes de hotel. É que a capital francesa tem alguns dos seus grandes restaurantes inscrustados em hotéis, de que são bons exemplos o fantástico Pierre Gagnaire no Hotel Balzac, o Le Cinq, no George V, o Meurice ou o Bristol, nos hotéis do mesmo nome, ou o Alain Ducasse no Plaza Athénée. Algo perto desse nível estão os heterónimos de Joel Robuchon, os longínquos Pré Catelan ou La Grande Cascade, ou ainda o Apicius, com a criatividade que Vigato lhe transmite. Um amigo levou-me um dia, numa reserva com meses de antecedência, ao fantástico L’Astrance e, num jantar especial, perdi a cabeça mas ganhei um grande momento no Arpège. Mas, confesso, nunca fui a outros lugares ditos “imperdíveis” como o Le Grand Véfour, o Bon Accueil, l’Espadon ou o Ledoyen.
Neste mundo de nomes e sabores, onde poderia eu levar, afinal, a Epicur?
Pensei em lugares clássicos, como o simpático Chez Georges, na porte Maillot, o “incontornável” Benoît ou o muito “XVIème” Le Flandrin. Podia também optar pela espampanância um tanto gasta da Closerie de Lilas ou, ali perto, pela tradicional La Coupole, a menos que quisesse ir para um seu émulo do outro lado da cidade, lá para a Bastille, o sempre interessante Bofinger. A hipótese do tradicional Allard surgiu-me, mas logo a afastei, pelo trânsito e pelos turistas. Ainda pensei numa solução contemporânea, como o Hotel du Nord, junto ao canal Saint. Martin. E se fôssemos para nomes mais “batidos”? Talvez, cada um ao seu estilo, ir ao Au Pied de Cochon, ao Procope, ao Lapérouse ou ao Ami Louis, mas achei que a graça de um almoço divertido se perderia por aí. Pensei em recordar o jantar de Obama no Fontaine de Mars. Se estivesse um dia de sol, valeria a pena ver as caras bonitas que sempre animam o L’Esplanade, o Café Marly, o Emporio Armani Caffé ou o Mini Palais. Em matéria de segurança culinária, lembrei-me do Joséphine-Chez Dumonet, onde sempre comi bem, ou, solução das soluções, pedir ao Jean Louis para me garantir uma boa mesa, “à direita”, na Lipp. Ou, mesmo, se a fome não fosse muita, atravessar a rua e ir ao Café de Flore, onde o Francis faria provar à Epicur um “Welsh rarebit”? Estando ali perto, uma outra ideia seria visitar o simples mas excelente Le Perron ou, continuando nos italianos, a boa cozinha, servida por caras larocas, no bem mais alegre La Bocca della Verità. Se optasse por zonas mais vizinhas de casa, uma hipótese seria o acolhedor Relais du Bois, o vestusto Le Petit Retro com azulejos inesquecíveis ou a sempre confiável Brasserie de la Poste, onde, contudo, só há música à noite. Indo um pouco mais longe, poderíamos tentar o menu mais imaginativo do Beaujolais d’Auteuil ou, num registo muito diverso, a insuperável carne do acanhado Gourmet de Ternes. Neste caso, logo virando a esquina, também podíamos ir aos mariscos da La Lorraine mas, para tal produto, então ficaríamos bem servidos no Stella, outra vez perto de casa, onde o meu colega e poeta Luis Castro Mendes celebra, com teimosa regularidade, as suas juras eternas de amor. Estive, enfim, perto de ir às minha última “descoberta”, a cozinha moderna do animado Waknine. Mas não, acabei por escolher o Comme Chez Maman.
O Comme Chez Maman fica no XVIIème, em Batignolles, e foi-me assinalado pelo meu amigo Pierre Léglise-Costa, uma das grandes referências da cultura franco-portuguesa em Paris. Trata-se de um restaurante moderno, de uma cozinha francesa onde o toque belga é dado pelo chefe Wim Van Gorp. Abrimos com um prato da época, umas “moules” (mexilhões) cozinhadas ao forno e trazidas numa placa quente, bem condimentadas. Passámos depois a um clássico francês, a “blanquette de veau aux olives”, um prato que fazia as delícias do comissário Maigret, à mesa da (inexistente) brasserie Dauphine, saído para almoçar do 36 do quai des Orfèvres, nas páginas imortais de Georges Simenon. Experimentou-se também o “pot au feu”, que se revelou extremamente saboroso.
Nas sobremesas, dividimo-nos. Eu optei por uma “gaufre sublime”, uma vez mais a dar o tom belga da casa, que estava com a textura “crispy” adequada. Os dois outros convivas foram para dois clássicos franceses – e disseram terem feito boas escolhas: a “tarte tatin” e o “moeleux au chocolat”.
Nos álcoois, deixámo-nos guiar pelas recomendações da casa. Abrimos com um branco “Domaine de Pellehaut”, “Harmonie de Gascogne”, 2011. Seco, foi bebido bem fresco e satisfez, com um aroma frutado e um travo final intenso e agradável na boca. De seguida, escolhemos um tinto “Calèches de Lanessan”, 2009, da região de Haut-Médoc, onde predominam castas Merlot e Cabernet Sauvignon, um vinho forte, suave e frutado. Ambos foram excelentes opções, com razoável relação qualidade/preço.
“There is no such a thing as a free lunch” é a expressão clássica que costuma qualificar a incógnita da compensação de um convite. É uma “verdade como punhos”, confirmado por este simpático almoço para o qual a Epicur me convidou. O qual teve, como “obrigação” retributiva, que fiz com prazer, a escrita do que (talvez) tenham tido a paciência de aqui ler e que, quem sabe?, pode ajudar os leitores que venham a Paris, se acaso entenderem que os diplomatas são confiáveis nos seus gostos.
Dei-me agora conta que este blogue, onde deixo algumas notas sobre restaurantes, deveria ter acolhido esse texto (que, recordo, tem já um ano). Ele aqui fica:
Os franceses têm uma expressão sonora para designar a dificuldade na seleção de uma opção: “l’embarras du choix”. Numa cidade como Paris, a escolha de um restaurante adequa-se bem a essa fórmula. A liberdade que me foi dada pela Epicur, para designar uma mesa parisiense da minha preferência, onde nos pudessemos juntar à conversa solta, confrontou-me com esse agradável dilema. E, de caminho, fez-me refletir sobre outras coisas mais.
Com Nova Iorque e Londres, ambas hoje ameaçadas de perto por São Paulo, Paris é dos lugares do mundo onde a multiplicidade de opções gastronómicas é mais rica, nomeadamente naquilo que alguns designam, às vezes ironicamente, por cozinhas “étnicas”. Porém, ao contrário dessas outras cidades, que vivem essencialmente da diversidade e do cosmopolitismo que lhe está associado, a capital francesa tem ainda o orgulho de ser a sede incontestada de uma gastronomia nacional que ganhou foros lendários no imaginário global. Nesse domínio, encontra-se em Paris um pouco de tudo: desde a “haute cuisine” de autor, presente em locais consagrados da restauração, até a uma imensidão de “bistrots” e “brasseries”, passando por uma alguma gastronomia de “terroir”, marcada por um afirmado e orgulhoso cariz regional. Muitas dessas mesas de restauração “franco-francesa” cultivam, aliás, uma espécie de snobismo imobilista, que os habitantes locais parecem apreciar – não fosse a França, aos meus olhos, um dos países mais conservadores do mundo.
Como olha um embaixador os restaurantes do país onde está acreditado? É dado por adquirido que os diplomatas são os felizes usufrutuários de uma vida recheada de prazeres – no mínimo, os prazeres da mesa... É uma guerra perdida tentar lutar contra a ideia feita de que a diplomacia é uma espécie de festa culinária permanente, um saltitar entre cocktails e ágapes bem regados, consumidos entre ditos espirituosos e conversas ocas, exercícios de rebuscada elegância e muito dandysmo, para tragédia do erário e irritação dos “gaspares” que o policiam. Num misto de inveja e pequena raiva, a imagem colou-se-nos à pele, para sempre, sendo impossível vender uma explicação serena sobre o que, na realidade, nos compete fazer. Valha a verdade que alguns, dentre nós, sempre ajudaram a essa “festa”, num culto hedonista feito de um engravatado vazio de ideias e de um deslumbrado frenesim pela “Caras” e outras feirantes vaidades, onde confundem com importância o mero “upgrading” social que a sua conjuntural função acarreta. E uns pagam pelos outros.
A vida diplomática não é nada disso, embora tenha uma irrecusável componente social, que só os patetas desprezam, embora apenas os tontos magnifiquem. Com os anos, aprendi que o êxito de uma representação diplomática, com algum sucesso, consiste em conseguir suportar, com estoicismo e bom fígado, o inevitável frenesim social de certos períodos, embora sem disso “fazer vida”. Aqui entre nós, devo dizer que, ao longo dos anos, fui-me progressivamente reconvertendo à figura de um discreto “fugitivo” social, fazendos os “mínimos” neste domínio, sem nunca me deixar absorver pela “espuma dos dias” da vertigem diplomática. Mas os cocktails, os almoços (e os sinistros pequenos almoços!) de trabalho, os “dinners en ville” e os convites para “o campo”, tudo isso faz parte de um cardápio de obrigações a que um diplomata – e, por maioria de razão, um embaixador – se não pode nem deve furtar, por completo. É preciso ter sempre presente, porque às vezes isso é esquecido, que a grande maioria dos convites que recebemos é feita num registo de grande simpatia, por gente educada e respeitável, a cujo gesto é deselegante não corresponder. E que, nesse mundo de sociabilidade organizada, acabamos por conhecer muitas pessoas que se tornam úteis para os nossos interesses profissionais, ao mesmo tempo que alimentamos um círculo de relações que tem como agradável ponto comum o facto de apreciarem o país que representamos. O que, no nosso caso particular, é muito importante, em especial nos tempos em que Portugal não anda propriamente nos patamares da glória.
Mas voltemos aos restaurantes de Paris, porque é isso que hoje aqui nos motiva a escrita. Foi-me dito pela Epicur que escolhesse um lugar de que eu gostasse. Coisa difícil. Ao longo destes anos de Paris, e já antes de aqui viver, tenho conhecido muitos restaurantes por esta cidade, de todo o tipo e de toda a qualidade. Devo confessar que muitos dentre eles só visitei porque alguém, simpaticamente, antecipadamente se dispôs a pagar a fatura. Contrariamente ao que se julga, o salário dos diplomatas, não dando razões de queixa, não dá para grandes aventuras. Na maioria dos casos, retribuí esses convites na minha própria casa, da forma como entendo e sei receber os amigos e os conhecidos. E não me tenho dado mal com o sistema.
Por essa razão, porque desde muito cedo entendi que, pelos “cabedais” financeiros de que dispunha, nunca iria ser visitante habitual de alguns grandes nomes da restauração, desisti, por exemplo, para os lados dos Champs Elysées, da frequência das salas elegantes do sublime Lasserre, da serenidade dos almoços no Guy Savoy, do discreto mas quase insuperável Taillevent, do classicismo profissional do Laurent ou mesmo do sempre “trendy” Le Fouquet’s. Do outro lado do rio, concluí que também não iria muito ao Jules Verne, no 2º piso da Tour Eiffel, ou, bem mais adiante, a essa “meca”, laqueada a patos, que é o mitológico Tour d’Argent, onde a carta de vinhos é um calhamaço apenas para encher o olho e esvaziar a carteira. Fiz o mesmo quanto à sofisticação elegante do l’Ambroisie, não muito longe dali, na place des Vosges, também já coisa para outras bolsas. O mesmo sucedeu com uma “espécie” com que me reconciliei em Paris, mas com a qual havia sempre embirrado, em todo o mundo: os restaurantes de hotel. É que a capital francesa tem alguns dos seus grandes restaurantes inscrustados em hotéis, de que são bons exemplos o fantástico Pierre Gagnaire no Hotel Balzac, o Le Cinq, no George V, o Meurice ou o Bristol, nos hotéis do mesmo nome, ou o Alain Ducasse no Plaza Athénée. Algo perto desse nível estão os heterónimos de Joel Robuchon, os longínquos Pré Catelan ou La Grande Cascade, ou ainda o Apicius, com a criatividade que Vigato lhe transmite. Um amigo levou-me um dia, numa reserva com meses de antecedência, ao fantástico L’Astrance e, num jantar especial, perdi a cabeça mas ganhei um grande momento no Arpège. Mas, confesso, nunca fui a outros lugares ditos “imperdíveis” como o Le Grand Véfour, o Bon Accueil, l’Espadon ou o Ledoyen.
Neste mundo de nomes e sabores, onde poderia eu levar, afinal, a Epicur?
Pensei em lugares clássicos, como o simpático Chez Georges, na porte Maillot, o “incontornável” Benoît ou o muito “XVIème” Le Flandrin. Podia também optar pela espampanância um tanto gasta da Closerie de Lilas ou, ali perto, pela tradicional La Coupole, a menos que quisesse ir para um seu émulo do outro lado da cidade, lá para a Bastille, o sempre interessante Bofinger. A hipótese do tradicional Allard surgiu-me, mas logo a afastei, pelo trânsito e pelos turistas. Ainda pensei numa solução contemporânea, como o Hotel du Nord, junto ao canal Saint. Martin. E se fôssemos para nomes mais “batidos”? Talvez, cada um ao seu estilo, ir ao Au Pied de Cochon, ao Procope, ao Lapérouse ou ao Ami Louis, mas achei que a graça de um almoço divertido se perderia por aí. Pensei em recordar o jantar de Obama no Fontaine de Mars. Se estivesse um dia de sol, valeria a pena ver as caras bonitas que sempre animam o L’Esplanade, o Café Marly, o Emporio Armani Caffé ou o Mini Palais. Em matéria de segurança culinária, lembrei-me do Joséphine-Chez Dumonet, onde sempre comi bem, ou, solução das soluções, pedir ao Jean Louis para me garantir uma boa mesa, “à direita”, na Lipp. Ou, mesmo, se a fome não fosse muita, atravessar a rua e ir ao Café de Flore, onde o Francis faria provar à Epicur um “Welsh rarebit”? Estando ali perto, uma outra ideia seria visitar o simples mas excelente Le Perron ou, continuando nos italianos, a boa cozinha, servida por caras larocas, no bem mais alegre La Bocca della Verità. Se optasse por zonas mais vizinhas de casa, uma hipótese seria o acolhedor Relais du Bois, o vestusto Le Petit Retro com azulejos inesquecíveis ou a sempre confiável Brasserie de la Poste, onde, contudo, só há música à noite. Indo um pouco mais longe, poderíamos tentar o menu mais imaginativo do Beaujolais d’Auteuil ou, num registo muito diverso, a insuperável carne do acanhado Gourmet de Ternes. Neste caso, logo virando a esquina, também podíamos ir aos mariscos da La Lorraine mas, para tal produto, então ficaríamos bem servidos no Stella, outra vez perto de casa, onde o meu colega e poeta Luis Castro Mendes celebra, com teimosa regularidade, as suas juras eternas de amor. Estive, enfim, perto de ir às minha última “descoberta”, a cozinha moderna do animado Waknine. Mas não, acabei por escolher o Comme Chez Maman.
O Comme Chez Maman fica no XVIIème, em Batignolles, e foi-me assinalado pelo meu amigo Pierre Léglise-Costa, uma das grandes referências da cultura franco-portuguesa em Paris. Trata-se de um restaurante moderno, de uma cozinha francesa onde o toque belga é dado pelo chefe Wim Van Gorp. Abrimos com um prato da época, umas “moules” (mexilhões) cozinhadas ao forno e trazidas numa placa quente, bem condimentadas. Passámos depois a um clássico francês, a “blanquette de veau aux olives”, um prato que fazia as delícias do comissário Maigret, à mesa da (inexistente) brasserie Dauphine, saído para almoçar do 36 do quai des Orfèvres, nas páginas imortais de Georges Simenon. Experimentou-se também o “pot au feu”, que se revelou extremamente saboroso.
Nas sobremesas, dividimo-nos. Eu optei por uma “gaufre sublime”, uma vez mais a dar o tom belga da casa, que estava com a textura “crispy” adequada. Os dois outros convivas foram para dois clássicos franceses – e disseram terem feito boas escolhas: a “tarte tatin” e o “moeleux au chocolat”.
Nos álcoois, deixámo-nos guiar pelas recomendações da casa. Abrimos com um branco “Domaine de Pellehaut”, “Harmonie de Gascogne”, 2011. Seco, foi bebido bem fresco e satisfez, com um aroma frutado e um travo final intenso e agradável na boca. De seguida, escolhemos um tinto “Calèches de Lanessan”, 2009, da região de Haut-Médoc, onde predominam castas Merlot e Cabernet Sauvignon, um vinho forte, suave e frutado. Ambos foram excelentes opções, com razoável relação qualidade/preço.
“There is no such a thing as a free lunch” é a expressão clássica que costuma qualificar a incógnita da compensação de um convite. É uma “verdade como punhos”, confirmado por este simpático almoço para o qual a Epicur me convidou. O qual teve, como “obrigação” retributiva, que fiz com prazer, a escrita do que (talvez) tenham tido a paciência de aqui ler e que, quem sabe?, pode ajudar os leitores que venham a Paris, se acaso entenderem que os diplomatas são confiáveis nos seus gostos.