Assim não vamos lá! Ou há mudanças drásticas ou este país não se endireita! Não há dietas que resistam, o colesterol (como a inflação, os juros e o serviço da dívida) não para de aumentar, os trigliceridos disparam, os açúcares ficam sem dono. O SNS, assim, estoura! Ou se aproveita esta maioria absoluta para pôr cobro a isto ou o país fica ingovernável!
Ontem, fui a um restaurante que se revelou “impossível”. Ia por indicação de um amigo, que sabe imenso da poda. Era, disse-me, um local “muito bom e a preços muitos decentes”.
Pois isso! Desconfiei logo! A 12 minutos do centro de Viseu? Este tipo de lugares excêntricos criam-me sempre uma fundada suspeita. Ó meus amigos, como diria o diácono Remédios, com sotaque viseense (e é de Viseu que estamos a falar), isso não existe! Ou melhor, se acaso existe, é por más razões e a prudência básica aconselha a que seja proibido.
Ia dormir a Viseu e tinha-me perguntado: “onde é que vou jantar?” Conhecia vários restaurantes na cidade, mas apetecia-me experimentar algo de novo. Lembrei-me então de telefonar ao tal amigo que sabe destas coisas como ninguém e que, sem o saber, é, desde há alguns anos e muitas análises clínicas, um ódio profissional desconhecido do meu médico generalista.
“Vá ao DeRaiz!”. Nunca tinha ouvido falar. Porque sou um crédulo, um ingénuo, lá fui.
(Agora posso confessar: necessitava de passar, numa mesa para entreter, a hora e meia do Porto-Sporting da noite de ontem, não fosse dar-se o caso de ser tentado a ver na tv o “prélio” (ainda alguém se lembra desta palavra?). E, ao que parece, ainda bem que não vi!)
Na cidade das 27 rotundas, tendo por companhia sonora a conhecida menina do Wase, lá fui ao DeRaiz.
(Um destes dias, quando não houver crianças caídas em poços em Marrocos, presumíveis terroristas lusos com saloias botijas de gaz e uma quase guerra quente na distante neve ucraniana, que serve para entreter comentadores internacionais de cabelos brancos a perorarem coisas graves, a nossa grande mídia tem de nos dar a conhecer a cara dessas gentis senhoras que nos sussurram o caminho pelas ruas, e que já bem íntimas são do nosso tímpano.)
Foram então rotundas depois de rotundas, mais saídas para a esquerda do que para direita (coisa rara na zona, mas que gera esperança de que muitas coisas se componham), quelhos e vielas, até que chegámos a um largo. Ao lado, a capela, como o nome da rua indicava, à frente, o que viria a revelar-se quase um altar. Porque a celebração estava para vir.
Casa de pedra rija, bem renovada, no meio da aldeia. Entrámos. Ambiente acolhedor, pessoal impecavelmente fardado para a função, profissionalíssimo, regras de higiene corretas (luvas para colocar copos e talheres), dois andares muito bem decorados.
Aquele meu amigo só podia estar a gozar: coisas assim não existem! Em especial, como dizem os britânicos, “in the middle of nowhere”!
A oferta de um bom rosé, à chegada, deixou-me logo de pé atrás.
Veio a carta, a lista de vinhos, ambas variadas e informativas, e, surpresa das surpresas, todos os preços eram muito honestos.
Havia ali qualquer coisa que não batia certo, pensei para comigo! Alguma coisa devia estar mal! E, claro, fiquei “na retranca”, porque já levo muitos anos de isto! Pensei: a comida deve ser muito má!
Passado o bom “couvert”, chegaram um pastel de massa tenra e uns ovos verdes. Magníficos, com o meu ovo a surgir numa imaginativa gaiola.
Entretanto, o tinto do Dão, escolhido sob recomendação da casa, marchava muito bem.
Começaram a pousar, depois, os pratos, com o serviço a emergir num tempo certo, não obstante a sala estar plena (de gente iludida como nós, pensei), com distância prudente entre as mesas.
Agora é que vão ser elas! Devem vir por aí umas vitualhas menores! Como o bacalhau à Brás esteve muito bom, esperei que pato assado com arroz de forno desiludisse. É o desiludes!
Devia ser nas sobremesas que tudo se iria estragar, refleti! Era isso! Mas não é que um pão-de-ló da avó estava à altura? Ainda os provoquei ao pedir um “strudel” de ananás, mas, surpresa das surpresas!, estava também bem no ponto.
Furioso comigo mesmo, porque sabia, de ciência certa, que as coisas não podiam correr tão bem como estavam a correr, que devia haver uma explicação secreta para todo aquele inesperado acerto, aguardei pela fatura: devia vir aí uma “conta calada”, com coisas inventadas, eu sei lá! Sorrindo para dentro, com uma deliciada fúria antecipada, esperei. Preparei-me para fazer uma cenaça!
Chegou o papelinho. Li e reli! Não podia ser! Estavam a gozar comigo! Fiquei furioso! Tinha comido lindamente, com um serviço impecável, num ambiente muito agradável, por um preço honestíssimo. Isto fazia-se?!
Como é que me poderia vingar? Só tinha uma maneira: espalhar, ”urbi et orbi”, que, no DeRaiz, ali ao lado de Viseu, se come de forma magnífica.
Se calhar, é isso!, não querem que se saiba! Pois eu digo e, agora, amanhem-se! É uma afronta servir tão bem e com preços tão honestos. Isto não se faz! A Inês e o Nuno não se podem ficar a rir de nós! É preciso que todos saibam e divulguem!
É o que eu digo! Este país, assim, não vai lá!