16.7.15

Casas do Bragal - Coimbra

 
E Coimbra foge ao seu fado
 
Por anos, Coimbra esteve fora dos meus roteiros da boa mesa. Antes da abertura do magnífico Arcadas, na Quinta das Lágrimas, comer por ali nunca foi uma aventura entusiasmante. Os tempos vão melhores, mas, no passado, a cidade mereceu a sua sina: muitos dos que por lá iam, sentiam o tropismo de avançar até à Mealhada, com o leitão na mira.
 
Há meses, surgiu-me uma nova sugestão na cidade: o Casas do Bragal. Lá chegar, sem GPS, pode ser um bico de obra. A melhor opção é seguir a indicação do novo Estádio e, a partir daí, subir para norte, para o bairro da Solum, uma zona de moradias.
 
Para restaurante, trata-se de um espaço bem atípico. Entra-se na casa para uma zona envidraçada, com vista sobre a cidade e recheada de sofás, livros e jornais. Somos convidados a aí nos instalarmos, para uma bebida e consulta do menu. A sala de jantar, com algumas dezenas de lugares, rodeada de quadros a óleo, fica ali mesmo ao lado, separada por um murete.
 
O viajante com horas contadas terá um choque. Ali tudo se passa sem pressas, porque, como logo se entende, não se vive o afogueamento de querer ter muitos clientes por refeição. Há que contar com que as coisas se passem ao ritmo da casa.
 
Eugénio Martins, que nos recebe e orienta, explica-nos uma limitação que é, desde logo, uma imensa garantia: do texto do menu podem estar excluídos alguns pratos, porque ali trabalha-se com os produtos do dia, tudo é feito na hora e, por vezes, há coisas que não é possível apresentar. O menu é uma «bússola» orientadora, mas dele podem não constar propostas de ocasião que seria uma imprudência vir a perder.
 
Não se preocupe com as entradas. Elas chegarão, à medida do que a imaginação do dia proporcionar, numa cadência certa. Anotei os cogumelos recheados com bacon e peixe, uns clássicos, mas «trabalhados», rojões à moda do Minho, um carpaccio de vitela, umas azeitonas (bem) marinadas, uma salada de peixe e queijo fresco. Mas também se pode optar por uma mão de vaca com grão, uma açorda de espargos ou uma salada de beterraba.
 
Importante será olhar com atenção a cuidada lista de vinhos. Douro e Alentejo estão muito bem representados, com preços razoáveis. Pedi uma sugestão da casa e não me arrependi: um tinto beirão, Quinta dos Termos 2009, monocasta da zona de Belmonte, encorpado e suave, mesmo para a carteira.
 
Como pratos principais, a cozinha – onde prepondera Manuela Cerca, uma professora de História que andou pelo jornalismo e se converteu à gastronomia – oferecia nesse dia coisas bem interessantes. Experimentaram-se as vieiras com emulsão de azeite e arroz malandro de agriões, bem como uma cataplana de amêijoas com tamboril. Nas carnes, o pato confitado com trompetas dos mortos foi alternativa ao arroz «pica no chão». Terei um dia que provar os ovos mexidos com trufa branca de alba, bem como o risotto de lactarius delicious com nacos de vitela.
 
As sobremesas não se pedem; procuram-se, na respetiva mesa. Anotei, sem preocupação exaustiva, as mousses (chocolate, café e limão), uma divinal tarte de maracujá, caramelo e amendoins, o pudim da Avó Felicidade e as farófias. Mas também há, noutros dias, terrina de chocolate, tarte e sopa de amoras, entre várias outras coisas. Uma boa coleção de Portos e Madeiras serve de acompanhamento a esta última fase.
 
O preço, variando com as ambições do cliente, foi francamente razoável.
 
A menos que o leitão seja um imperativo, fica aqui um forte conselho para uma visita – calma, sem pressas – a este excelente Casas do Bragal.
Casas do Bragal
Rua Damião de Góis
Urbanização de Tamonte
3030-088 Coimbra
Tel. 918103988
Encerra: 2ª feira e almoço de 3ª feira
Estacionamento, WiFi, espaço para fumadores
Notas
• O «tout Coimbra», com gentes da Universidade a predominar, já se habituou a chamar seu ao lugar. Vê-se na intimidade dos grupos, na familiaridade das conversas. Há, porém, um esforço, evidente e empenhado, para integrar o novo cliente no ambiente.
Bebo champanhe quando estou contente, quando estou triste e, às vezes, quando estou sozinha. Brinco com ele quando não tenho fome e bebo-o quando tenho. Quando tenho companhia, considero-o obrigatório. Fora isso nunca lhe toco; excepto quando tenho sede. Madame Lily Bollinger (citação na lista de vinhos)

• Um menu de azeites não é ainda uma coisa vulgar nos restaurantes portugueses. É, contudo, um caminho interessante para revelar que também por aí passa muito do sucesso dos novos cultores da cozinha tradicional portuguesa

• Às vezes, também se canta por ali o fado e se ouvem outras sonoridades que rimam com o ambiente descontraído da casa.