O menu da consoada deste Natal não foi muito diferente do que costuma ser. O bacalhau, talvez por virtude de um truque aprendido quase no próprio dia, estava excelente, lascoso e não afarinhado, como às vezes sucede. Como é de regra, o polvo estava melhor no dia seguinte, na "roupa velha". Era tenro e deu origem às graças de que "o polvo é quem mais ordena" ou, a recordar Pinheiro de Azevedo, de que "o polvo é sereno". A reserva da Quinta do Castro estava no ponto, embora o ano nem sequer fosse o ideal. Ah! E o perú do dia de Natal estava saboroso, com pele crestada, se bem que, para o ano, e para o meu gosto, umas batatas alouradas devam fazer parte do acompanhamento, como mandam as NEP.
Mas isto foi um mero intróito para poder falar dos doces. (Uma nota, em parêntesis, para o bolo-rei da Gomes, plenamente à altura da sua história). Os sonhos marcharam sem grande entusiasmo, porque, de há muito, são os mal-amados da casa e só se apresentam por rotina. Já as rabanadas, o "pain perdu" lusitano, tiveram larga procura, com um molho a preceito. Não me refiz ainda da falta da sopa dourada, que a minha mãe fazia como ninguém. E como, desde há uns anos, deixou de estar na mesa, por razões que não são para aqui chamadas, um doce de chila com ovos que me alimentou a glicose sazonal por décadas, fiz questão de não levar a sério um substituto de chocolate que por lá se apresentou. Para compensar, uma mousse de chocolate sem ovos foi uma excelente surpresa, no dia de Natal.
Mas do que eu quero verdadeiramente falar-lhes é da aletria. Sou um fã dessa delícia amarela, quadriculada a canela, mas as minhas desilusões nessa matéria excedem, em muito, os grandes momentos. Houve um ano em que desconfiei mesmo que a travessa de aletria era patrocinada pela Cimpor, tal a textura que o suposto doce apresentava. Outros houve em que a massa estava deslavada, permeada de um líquido que lhe dava uma consistência esquisita, menos agradável. Até este ano! O ano da aletria 20 valores! A tecitura era a ideal, o açúcar estava na medida certa, o sabor era "aquele" que devia ser. Nada a mais, nada a menos. A aletria 2016 foi um "vintage", uma colheita ímpar. Só por aquela (digo "aquela" porque, infelizmente, já lá vai) aletria valeu a pena este Natal. Mas já vou passar um ano angustiado: como será a aletria de 2017, com o "benchmark" de 2016 tão elevado?