27.6.16

"Pedra Furada" (Barcelos)



Viandantes e mesários

Tenho um amigo que aplica a palavra «viandante» a quem goste de ir à procura de locais com boa carne. É claro que se trata de uma corruptela sinonímica. Os viandantes são os caminheiros. Mas por que diabo são chamados aqui, a um espaço de notas sobre restaurantes?

Na vida, passei três vezes pelo «Pedra Furada». A primeira, no final dos anos 70. O espaço era algo diferente e chamava-se ou chamavam-lhe «Maria da Pedra Furada», por virtude do nome da proprietária. Terá nascido de uma tasca criada há 70 anos, passando, em 1974, a restaurante. Ficou-me na memória ter já então uma cave de vinhos afamada, num tempo em que, pela província, isso não era muito vulgar. Ainda hoje ela se recomenda, muito embora, nesta última visita, tenha me tenha satisfeito com o muito razoável tinto da casa.

A aldeia de Pedra Furada fica a 5 kms a sul de Barcelos (melhor, de Barcelinhos, para quem conhece as peculiaridades da área), na Estada Nacional 306. É um espaço rústico, com um serviço profissional e atento.

O proprietário, António Herculano, é uma figura hospitaleira que, entre a chegada das vitualhas à mesa, nos fala com entusiasmo da mudança profunda que o seu projeto comercial sofreu, por virtude do local se ter tornado num afamado ponto obrigatório de passagem de peregrinos no Caminho de Santiago de Compostela. Daí os viandantes, percebem agora?

Ao lado do restaurante, num espaço cosmopolita, cruzam-se diariamente gentes de todas as partes do mundo, contando-se bem para cima da centena as nacionalidades visitantes. Mas, a bem da verdade, não me parece que esses romeiros, mais frugais, procurem o que a mim me levou ao “Pedra Furada”: a sua sólida comida regional.

No rol de entradas, salientam-se as Papas de Sarrabulho e as Tripas de Porco. Quem não for usado, pode ficar pelas pataniscas, pelo chouriço ou pelas sopas.

Nos peixes, a oferta fresca não é grande (linguado, pescada ou robalo), mas realça-se um naipe de quatro Bacalhaus – à moda da casa, com broa, cozido ou assado – que são uma das marcas do restaurante. Provou-se o primeiro, “à Narcisa”, que estava de grande qualidade, demolhado ao ponto, lascando como deve ser.

Das carnes, passando por entre a Pá de Porco, os Rojões e os clássicos bifes e escalopes, foi-se para o Cabrito Assado no Forno, que é também um conhecido cartão de visita. Não nos arrependemos, tinha ótimo sabor, embora a hora tardia da visita o tivesse trazido um pouco seco. Por encomenda, há por lá o famoso Galo Assado, bem típico da região, o Arroz de Cabidela e o Bacalhau Dourado.

Uma lista de sobremesas simpática, onde brilha o Pudim Abade de Priscos, fecha o repasto. Mas notei um Pudim de Laranja, uma Tarte de Amêndoa, além dos clássicos (Mousse, Leite Creme, etc). Não fomos para os Mexidos (um doce limiano com pão, frutos secos e mel) mas para umas Rabanadas de leite (também havia de vinho do Porto), porque, neste domínio, o Natal é quando o cliente quiser.

Em suma: não são muitas as novidades, tendo a casa optado por algumas sólidas “âncoras” que, em especial nos fins de semana, têm forte procura e recomendam reserva.

Por mim, sempre que puder, não como viandante mas apenas como “mesário” (outra corruptela sinonímica, desculpem lá!), passarei por este clássico e simpático pouso minhoto.



Restaurante “Pedra Furada”
Rua de Santa Leocádia, 1415
Pedra Furada, Barcelos
Fecha 2ª feira ao jantar
Tlf. 252 951 144
Preço médio: 20 euros
Wifi
Estacionamento fácil

"O Poleiro" (Lisboa)



Nos restaurantes, como na vida, tenho dias.
Por vezes, agrada-me ser surpreendido, entrar num espaço desconhecido, ser confrontado com uma coreografia diversa dos rituais banais de acolhimento, com gestos que fogem ao template aprendido nas escolas de hotelaria. Gosto de propostas de novos sabores, ou de sabores tradicionais tornados distintos, desde que isso não signifique a tentativa de ser exótico a todo o custo.
Outras vezes, contudo, prefiro descansar na rotina, nas caras conhecidas que me recebem, por mesas que me falam de conversas passadas, às vezes com amigos que não voltam. Na lista de que sei o essencial de cor, antecipo sabores em algumas das propostas que leio, como quando, em velhas casas de família, aguardamos uma certa sopa que fumega na terrina, rescendendo, como dizia o Eça, de uma forma deliciosamente idêntica, ao longo dos anos. É o conforto preguiçoso do conhecido, que irrita alguns obsessivos do novo.
Sempre que entro no Poleiro reacende-se-me este último sentimento, embora, para o leitor, a visita possa, ao invés, corresponder a uma primeira e marcante experiência.
Conheço aquela casa há mais de três décadas, exatamente tantas quantas ela leva de existência. O Manuel e o Aurélio Martins ali estão, como sempre, serenos, sorridentes, de um profissionalismo límpido e aparentemente simples. Porém, não obstante a sustentação evidente da qualidade, o universo cada vez competitivo da restauração é um desafio diário.
O restaurante, que continua pequeno, cresceu daquelas que foram as escassas mesas na sua fundação. Quase que se poderia dizer que a decoração, sem arrebiques ou pretensões, muito acolhedora e prática, prenuncia a cozinha portuguesa genuína que a casa oferece. Nela se cruzam influências minhotas e transmontanas, com a presença dos sabores do Alentejo em algumas das escolhas.
À entrada, sobre o balcão, um estendal variável de vinhos é-nos decifrado pelo saber ímpar do Aurélio, sempre atento às novidades enológicas que interessa reter, cobrindo bem as principais regiões.
Na cozinha, orientada pelo Manuel, mestre na arte da grelha, responde-se à carta que, com os anos, cresceu e ficou mais diversa, reforçando no cliente o embaraço da escolha.
Comece-se por atentar nas entradas: contei 14 da última vez que lá passei. Destaques? O misto de cogumelos silvestres frito com alho, a alheira fumada do Barroso, a morcela de Idanha com laranja e, dois clássicos por que optámos, os sempre excelentes peixinhos da horta e os ovos mexidos com espargos e farinheira.
Nos pratos, os peixes são sempre irrepreensivelmente frescos, sendo as carnes muito bem tratadas. É difícil optar, confesso. Fomos por um arroz de vieiras, com estas numa textura certa, e por umas pataniscas de camarão com arroz de lingueirão, que estavam deliciosas. Um prato clássico da casa é a massada com cabeça de garoupa e gambas, como também o é o arroz de línguas de bacalhau com coentros.
Nas carnes, decidimos pedir umas iscas na frigideira à portuguesa, por ali sempre fiáveis. Mas muito deixámos de parte, embora quase tudo já testado no passado, com grande proveito: por exemplo, as costelinhas de porco na grelha com açorda de coentros, a ilhada de vitela barrosã no caçoilo com arroz de feijão ou o arroz de costela em vinha de alhos com grelos. Ah! E a famosa barriguinha de porco grelhada, com massa e feijão. Mas há por ali muito mais!
As sobremesas (se o leitor conseguir lá chegar…) não são muitas, mas são sempre de qualidade: o mimo de chocolate, o pudim do abade de Priscos e o pudim de abóbora com coco foram as nossas escolhas, entre outras possíveis. Os queijos beirões e alentejanos podem também fechar a refeição.
Volto ao que disse no início: saber aquilo que nos espera ao abrir uma porta é um sentimento muito agradável. O Poleiro, para mim, continua a ser exatamente isso.

Restaurante “O Poleiro”
Rua de Entrecampos, 30 A
1700-158 Lisboa
Tel. (+351) 217 976 265
www.opoleiro.com
Fecha ao domingo

·       Há quase trinta anos, eu morava ali perto. O Aurélio ligava-me, quando a mesa pretendida vagava. Mal eu acabava de me sentar, “pousavam” os peixinhos da horta.
·       A rua de Entrecampos, ali ao lado da avenida da República, é um destino algo improvável para um bom restaurante. O que só prova que a qualidade, quando existe, tem muita força.
·       Nunca me recordo de ter pedido um vinho no Poleiro. Sem surpresas más, na qualidade e preço, deixo-me sempre guiar. Nunca me arrependi e aprendi muito.
·       A culinária da restauração lisboeta tradicional deve muito à cultura gastronómica galega. No Poleiro, um restaurante feito por gente do Norte, sinto frequentemente essa influência.