Na minha juventude, o nome "Toca da Raposa" ligava-se àquele que foi o primeiro restaurante citadino de Vila Real, criado nos anos 60. Até essa altura, a restauração vila-realense (tal como acontecia na grande maioria das cidades e vilas portuguesas) limitava-se às tascas, às "casas de pasto" e às pensões, onde aboletavam funcionários e gente de passagem. A velha "Toca da Raposa" é hoje um estimável café, aliás com graça nas noites de verão.
Por essa razão, quando me disseram que havia um restaurante com esse nome em Ervedosa do Douro fiquei curioso.
Imagino que a maioria dos leitores se interrogue: mas onde
fica Ervedosa do Douro? Três coisas são certas. A primeira é que, para a
esmagadora maioria dos portugueses, não fica “logo ali”. A segunda é que a
viagem “vale o desvio”, como costumam dizer os guias Michelin. E, finalmente, a
terceira coisa que posso assegurar é que, lá chegados, ao restaurante que aqui
lhes recomendo, não irão ficar desiludidos.
Dito isto, dou umas dicas orientadoras. Se vier da Régua, na
direção do Pinhão, são 35 km pela agora famosa EN222, há semanas considerada internacionalmente
“a melhor estrada do mundo”. Porém, no caso de Vila Real ser o ponto de partida
ou passagem, aconselho vivamente tomarem o caminho de Sabrosa, daí descendo com
calma até ao Pinhão (não percam os azulejos da estação da CP!), antes da subida
final para Ervedosa do Douro.
Em qualquer dos casos, o espetáculo é fascinante. Para além
da serena imponência do Douro, a paisagem é envolvida pelas cores mutantes dos
“montes pintados”, de que falava João de Araújo Correia. António Barreto
sintetizou isso bem: “Entre as aldeias, vinha, vinha e mais vinha. Verde,
vermelha, roxa, amarela, castanha e negra, conforme as estações”.
Finalmente, com outro perfil de cenário, mais beirão, há ainda
um caminho pelo sul, por Trancoso e por S. João da Pesqueira, que já fica a
dois passos de Ervedosa.
Mas vamos ao que interessa, à Toca da Raposa, de que hoje
lhes quero falar. De início, foram uns rumores: “há um lugar que creio que não
conheces, perto de S. João da Pesqueira, onde se come muito bem”. Depois,
outros, mais desafiadores, provocaram: “Andas por aí a escrever sobre
restaurantes e nunca li uma palavra tua sobre a Toca da Raposa!”. Comecei a
irritar-me e, conduzido por um amigo, para me livrar do “bafómetro” (como dizem
os brasileiros) da Brigada de Trânsito, rumei um dia deste até Ervedosa do
Douro.
Fomos recebidos pela Maria do Rosário, que orienta a sala com
simpatia e saber e nos indica aquilo que a mãe, a D. Maria da Graça, nos pode
preparar a partir da (imaculada) cozinha. A completar, o irmão, engº Fernando
Gomes, trata dessa dimensão duriense essencial que são os vinhos. É, aliás, o
responsável pela magnífica carta que o restaurante apresenta, onde, como é
óbvio, os Douros são donos e senhores do espaço. Agora, ao lado do próprio
restaurante, há mesmo uma garrafeira, com mais de 100 hipóteses de escolha,
colmatando uma estranha lacuna na região.
A conselho avisado de quem me acompanhava, decidi ficar nas mãos e
no conselho da casa, para uma degustação.
Abrimos o repasto com uma alheira. Era de caça, senti-a
pouco vulgar e tinha razão: tinha perdiz, faisão e coelho bravo. Disseram-me
que havia outra: de vitela, porco e galinha. Acompanhámo-la com um branco Odisseia
2013, com castas rabigato, viosinho e côdega de Larinho.
Uma torrada de pão regional, uma receita em que antigamente
se usava o pão velho que sobrava, com azeite e alho, serviu de base a um belo queijo
de cabra com azeite. Um branco Quinta do Cidrô, Semillon, 2013 esteve junto.
Ainda nesta fase introdutória, experimentámos uma chouriça
“crespa” de vinho do Porto, e depois, o “moiro”, uma alheira transformada com
sangue de porco. Aqui, já nos acompanhou um Quinta Beira Douro, 2012, tinto.
Outro tinto, este o Quinta de S. José, desse excelente ano
de 2011, deu suporte a um polvo grelhado, com batatinhas tostadas, salada de
pimentos com alho e cebola.
Continuando agora nas carnes, seguimos para um cozido, com arroz
branco, que anotei muito mais leve do que outros que tenho experimentado por aí.
Na harmonização, foi-nos sugerido um tinto Quinta do Malhô 2011, um pouco
frutado e com uma ligeira e agradável acidez.
Finalmente, o cabrito grelhado, com que se encerrou esta
fase, teve a acompanhá-lo um tinto Reserva d’Amizade, 2011, um vinho mais
encorpado, com touriga nacional, touriga franca e tinta roriz.
Encerrámos com um painel de sobremesas: primeiro o magnífico
Bolo Borrachão, seguido de uma tarte de amêndoa e chila. Um Porto Dalva 85
serviu de acompanhamento. Finalmente, provámos o Arroz Doce e um Pudim de Ovos,
desta vez com um Porto Tawny 10 anos, Quinta das Carvalhas.
A lista, extremamente cuidada e com uma apresentação muito
profissional, para além das experiências feitas, oferece outras propostas muito
interessantes. Nos peixes, a casa tem como referências o polvo na telha e os
milhos de bacalhau. Nas carnes, a somar a um belo leque de enchidos, dizem-me
ser notável o arroz de feijão com salpicão, a meada de cabrito (um prato antigo
da região), que é um estufado envolvido em massa meada, e o porco bísaro com
arroz de míscaros.
O Douro corre lá em baixo, mas há um Douro bem alto nesta
Toca da Raposa, em Ervedosa. Aconselho vivamente.
TOCA DA RAPOSA
Rua da Praça, Ervedosa do Douro (São João da Pesqueira)
Tlfs: 254 423 466 / 961 586 199
Preço médio (com vinhos): 30 euros
Aberto todos os dias, das 12.00 às 16.30 e das 18.30 às 00.00 horas.
Web: facebook.com/tocadaraposa.douro
Outras opções na região: Na Folgosa, o DOC (254 858 123) e, no Pinhão, o Harvest (Hotel LBV, 254 738 320), alternativas mais caras. Em S. João da Pesqueira, O Forno da Devesa (254 484 414)