E Coimbra foge ao seu fado
Por
anos, Coimbra esteve fora dos meus roteiros da boa mesa. Antes da abertura do
magnífico Arcadas, na Quinta das Lágrimas, comer por ali nunca foi uma aventura
entusiasmante. Os tempos vão melhores, mas, no passado, a cidade mereceu a sua
sina: muitos dos que por lá iam, sentiam o tropismo de avançar até à Mealhada,
com o leitão na mira.
Há
meses, surgiu-me uma nova sugestão na cidade: o Casas do Bragal. Lá chegar, sem
GPS, pode ser um bico de obra. A melhor opção é seguir a indicação do novo
Estádio e, a partir daí, subir para norte, para o bairro da Solum, uma zona de
moradias.
Para
restaurante, trata-se de um espaço bem atípico. Entra-se na casa para uma zona
envidraçada, com vista sobre a cidade e recheada de sofás, livros e jornais.
Somos convidados a aí nos instalarmos, para uma bebida e consulta do menu. A
sala de jantar, com algumas dezenas de lugares, rodeada de quadros a óleo, fica
ali mesmo ao lado, separada por um murete.
O
viajante com horas contadas terá um choque. Ali tudo se passa sem pressas,
porque, como logo se entende, não se vive o afogueamento de querer ter muitos
clientes por refeição. Há que contar com que as coisas se passem ao ritmo da
casa.
Eugénio
Martins, que nos recebe e orienta, explica-nos uma limitação que é, desde logo,
uma imensa garantia: do texto do menu podem estar excluídos alguns pratos,
porque ali trabalha-se com os produtos do dia, tudo é feito na hora e, por
vezes, há coisas que não é possível apresentar. O menu é uma «bússola»
orientadora, mas dele podem não constar propostas de ocasião que seria uma
imprudência vir a perder.
Não se
preocupe com as entradas. Elas chegarão, à medida do que a imaginação do dia
proporcionar, numa cadência certa. Anotei os cogumelos recheados com bacon e
peixe, uns clássicos, mas «trabalhados», rojões à moda do Minho, um carpaccio de vitela, umas azeitonas
(bem) marinadas, uma salada de peixe e queijo fresco. Mas também se pode optar
por uma mão de vaca com grão, uma açorda de espargos ou uma salada de
beterraba.
Importante
será olhar com atenção a cuidada lista de vinhos. Douro e Alentejo estão muito
bem representados, com preços razoáveis. Pedi uma sugestão da casa e não me arrependi:
um tinto beirão, Quinta dos Termos 2009, monocasta da zona de Belmonte,
encorpado e suave, mesmo para a carteira.
Como
pratos principais, a cozinha – onde prepondera Manuela Cerca, uma professora de
História que andou pelo jornalismo e se converteu à gastronomia – oferecia
nesse dia coisas bem interessantes. Experimentaram-se as vieiras com emulsão de
azeite e arroz malandro de agriões, bem como uma cataplana de amêijoas com
tamboril. Nas carnes, o pato confitado com trompetas dos mortos foi alternativa
ao arroz «pica no chão». Terei um dia que provar os ovos mexidos com trufa
branca de alba, bem como o risotto de
lactarius delicious com nacos de
vitela.
As
sobremesas não se pedem; procuram-se, na respetiva mesa. Anotei, sem
preocupação exaustiva, as mousses (chocolate, café e limão), uma divinal tarte
de maracujá, caramelo e amendoins, o pudim da Avó Felicidade e as farófias. Mas
também há, noutros dias, terrina de chocolate, tarte e sopa de amoras, entre
várias outras coisas. Uma boa coleção de Portos e Madeiras serve de
acompanhamento a esta última fase.
O preço,
variando com as ambições do cliente, foi francamente razoável.
A menos
que o leitão seja um imperativo, fica aqui um forte conselho para uma visita –
calma, sem pressas – a este excelente Casas do Bragal.
Casas do
Bragal
Rua
Damião de Góis
Urbanização
de Tamonte
3030-088
Coimbra
Tel.
918103988
Encerra:
2ª feira e almoço de 3ª feira
Estacionamento,
WiFi, espaço para fumadores
Notas
• O «tout Coimbra», com gentes da
Universidade a predominar, já se habituou a chamar seu ao lugar. Vê-se na
intimidade dos grupos, na familiaridade das conversas. Há, porém, um esforço,
evidente e empenhado, para integrar o novo cliente no ambiente.
• Bebo champanhe quando estou contente, quando
estou triste e, às vezes, quando estou sozinha. Brinco com ele quando não tenho
fome e bebo-o quando tenho. Quando tenho companhia, considero-o obrigatório.
Fora isso nunca lhe toco; excepto quando tenho sede. Madame Lily Bollinger
(citação na lista de vinhos)
• Um
menu de azeites não é ainda uma coisa vulgar nos restaurantes portugueses. É,
contudo, um caminho interessante para revelar que também por aí passa muito do
sucesso dos novos cultores da cozinha tradicional portuguesa
• Às
vezes, também se canta por ali o fado e se ouvem outras sonoridades que rimam
com o ambiente descontraído da casa.
Senhor embaixador,
ResponderEliminarEu sou de Coimbra e nunca lá fui, um pouco por pensar que seria caro. Agora, fiquei curioso. Apenas uma pequena precisão. O bairro da Solum não é uma zona de moradias, antes pelo contrário. Foi uma das primeiras urbanizações do país a ser construída com os princípios da Carta de Atenas (Corbusier, “cidade jardim”, etc), nos anos 60, com prédios em altura e ruas largas. O senhor Embaixador foi dar com o restaurante noutro bairro, muito diferente, a urbanização do Tamonte, ao lado da Solum. Se se interessar por estas coisas, e quiser perder algum tempo, sugiro-lhe este estudo.
https://estudogeral.sib.uc.pt/.../1/Cidade-Jardim%20em%20Coimbra.pdf
Obrigado e volte sempre.
António Pedro
Desconfio sempre de uma empresa que não tem telefone; é este um desses casos, a menos que o Sr. Embaixador não tenha tomado nota do mesmo.
ResponderEliminarEntretanto tem o Sr. Embaixador razão acerca da carência de boas referências na restauração de Coimbra, desde há muitos anos, mas desconfio que não será ainda desta, com esta Casas do Bragal, que Coimbra vai recuperar, pois o menu parece algo erráticoe sem linha definida.
J. Barros
J. Barros, uma "linha definida" têm os restaurantes da Mealhada... ;). Mas sei que, fora isso, estão na moda os restaurantes com um "conceito".
EliminarQuanto à falta de telefone, não entendo bem qual é o problema. Suponho que se refira à falta de telefone fixo, pois está disponível pelo menos um telemóvel, na página do facebook do restaurante. Nunca me tinha ocorrido que esse fosse um problema. A casa não é propriamente clandestina e tenho a certeza que se alguém lá tiver uma intoxicação alimentar, encontrará alguém a quem responsabilizar. A melhor garantia é ouvir ou ler as opiniões de quem lá vai.
António Pedro
Casas do Bragal já tinha pergaminhos quando se instalou em Coimbra. Durante muitos anos esteve, com os mesmos proprietários, na aldeia João Bragal de Baixo, nos arredores da Guarda, onde ganhou uma justa reputação.
ResponderEliminarSr. Embaixador, penso que as trombetas da morte (Craterellus Cornucopioides) seriam desidratadas e não frescas, pois em julho dificilmente existiram em Portugal. Em relação sanchas selvagens (lactarius delicious) deve escolher a epoca delas pois o risotto será de outro mundo caso contrário serão de estufa o que não é a mesma coisa.
ResponderEliminarAntónio Manuel