Há bem mais de uma década, tive um tempo de "clandestinidade" gastronómica. Eu explico. Era então embaixador em Paris e a revista "Sábado" tinha-me convidado para ser seu "crítico mistério", durante creio que meio ano. A combinação era eu enviar 20 e tal crónicas, uma em cada semana, sob pseudónimo, e, no fim, ser revelado o meu verdadeiro nome. O nome falso que escolhi foi "Augusto Maria de Saa" (assim mesmo, com dois "a"), lembrando uma figura fictícia que já tinha usado em outras ocasiões.
Embora, desde há muitos anos, organizasse listas policopiadas de restaurantes por mim selecionados, por zonas do país, para usufruto dos meus amigos, e, no Brasil, tivesse feito parte do júri de seleção de restaurantes da revista "Veja", nunca me tinha atrevido a enveredar pela crítica gastronómica. Mas, depois de alguma insistência de Edgardo Pacheco, decidi correr o risco. Um estímulo foi também saber que, na minha tarefa na "Sábado", eu tinha tido ilustres predecessores: Miguel Esteves Cardoso, Daniel Proença de Carvalho, Paula Teixeira da Cruz e Ruben de Carvalho.
Haveria de repetir a aventura, no futuro, embora com o verdadeiro nome, como crítico das revistas "Evasões", a convite da Catarina Carvalho, e da "Epicur", a convite de Mário Rui de Castro, tarefa em que me diverti imenso, embora com efeitos sensíveis na balança e nos ralhetes do meu médico. Noto que foi-me sempre dada total liberdade de escolha dos restaurantes, por todas as revistas.
Decidi então apostar em alguns restaurantes pouco conhecidos, mas que representavam um esforço profissional que reputava de interessante. Creio que o primeiro terá sido o restaurante Quinta do Outeiro, na zona oeste de Amarante, relativamente próximo da A4. Já por lá tinha comido algumas vezes, a sugestão do meu amarantino amigo Albano Tamegão, e tinha-os achado merecedores de um elogio em forma de artigo.
Porque é que falo agora disto? Porque, ao final da tarde de ontem, cansado da condução desde Lisboa, à passagem por Amarante, deu-me para ir jantar à Quinta do Outeiro. Estava com alguma pressa (CNN Portugal oblige...) e levava expetativas apenas moderadas. Das últimas vezes que por lá passara, lembrava uma deriva para um serviço algo errático e duas ou três memórias de mesa não excessivamente deslumbrantes. Mas, no entanto, sabia que ia comer numa casa com alguma constância e tradicional variedade de oferta.
O que eu não estava à espera, neste jantar casual e rápido, era que me fosse apresentada uma das melhores Postas de vitela que alguma vez me foi dado provar em toda a minha vida. E eu tenho alguns "benchmarks" na matéria que são dificilmente batíveis: desde a dona Iracema do Geadas, em Bragança, passando pelo Abel, em Gimonde, até à histórica Gabriela, em Sendim, a outros tempos da Lareira, em Mogadouro, ou do Artur, em Carviçais (com o mudo a servir o vinho), até à memorável Posta do há muito desaparecido Abade de Priscos, em Braga - que se podia cortar com o lado contrário da faca.
O resto que nos foi servido estava à altura, mas aquela Posta!
Pronto, fica feita a recomendação: passem pela Quinta do Outeiro! E peçam a Posta. É claro que não é a minha, porque essa já cá canta!